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Um maço de cigarros, uma geladeira e meu coração



  Certa vez, quando eu estava no ensino médio, uma professora da qual eu não gosto deixou escapar algo útil da sua boca. Ela contou uma anedota em que seu pai, que era viciado em cigarro havia muitos anos, decidiu parar de fumar. Disse que ele se esforçou bastante até conseguir, só que, mesmo depois de vencido o vicio, ele ainda tinha um hábito que intrigava.
  O hábito dele era sempre comprar um maço de cigarros para deixá-lo em cima da geladeira, lugar em que sempre costumava guardar seus cigarros, mas fazia isso mesmo depois de anos de largado o vício e sabendo que não fumaria de novo. Fiquei pensando muito nisso na época e vale ressaltar que a dita professora só estava contando aquilo para gente porque, naquele dia, finalmente, seu pai jogou o maço fora e não comprou mais nenhum para repor o lugar vazio.

  Algumas situações que passamos na vida nos fazem lembrar de histórias aleatórias com uma resposta para elas. Até o fim do meu ensino médio nunca chegamos a uma conclusão do por que o pai dela fazia aquilo e hoje eu quero compartilhar com você, meu leitor, a famigerada conclusão que tive anos depois.
  Infelizmente, eu tenho o costume de agarrar o passado, não me sustenta só guardá-lo. Quando algo que gosto se acaba, eu quero que aquela situação volte. Faço o possível e impossível, vou atrás, me esforço, mesmo tendo a consciência da inutilidade dessas ações e, no fim, - mesmo com tudo acabado - eu ainda guardo os caminhos para retornar, caso algum dia o desespero bata à porta.
  Estou escrevendo tudo isso e jogando luz na história de um antigo desafeto para admitir que é preciso fazer uma limpeza e entender as relações das partes da situação. Meu passado é a geladeira, lugar abstrato que sempre vai existir. Devo voltar a ele sim, recordar, rir e tirar lições das coisas que já passei e isso é muito importante de se fazer.
  Porém, ao mesmo tempo, os caminhos guardados são o maço de cigarros. O personagem da história guardava o cigarro porque ele sabia que, a qualquer sinal de desespero, de um desejo que pudesse fazê-lo ter uma recaída, o objeto de seu vicio estaria ali, à mão, em apenas poucos passos. Não digo que seja errado, aliás, creio que ele não voltou a fumar justamente porque, em certo período, a tentação estava fácil, fazia ele sempre refletir sobre os contras e o porquê todo aquele esforço, por isso ele tinha o maço depois de anos, para cultivar a antítese: ao mesmo tempo ele acalmava-se em saber que seu prazer estava perto, mas tinha o desespero de voltar a errar.
  Mesmo sendo útil e explicável por um tempo, chega uma hora que a antítese perde o sentido, como a necessidade de retornar ao passado com intuito de tê-lo de volta também perde. Reflita sobre este esforço: apague o contato daquela pessoa, desligue-se das redes sociais dela, não faz sentido querer alguém que não te quer em sua vida. Não tente mais voltar àquele prédio que você é tanto apegado, porque o período dele já acabou, nem se você juntasse todas as pessoas que conviveram nele naquela época as coisas não seriam as mesmas, pessoas mudam com o tempo.
  Faça a limpeza, eu sei que não é fácil, sofro também, mas como o importante é saber o que importa, sei da necessidade disso e confesso, ficamos muito melhor depois do lixo jogado fora. Descobrimos a importância do presente e aprendemos que o passado é para ser objeto de respeito, nostalgia e aprendizagem, e não de necessidade que corrói a gente por não existir mais. É preciso deixar o lugar vazio para a vida do presente e futuro, pense nisso.


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